DELEGADO MACHADENSE FALA SOBRE SITUAÇÃO DA CATEGORIA EM MINAS

Em entrevista exclusiva para os sites do grupo JPF, o dr. Juliano do Lago fala sobre paralisações dos delegados de Minas Gerais e explica as razões do movimento. Segundo ele, a função é uma das mais desestimulantes do estado, principalmente por conta da discrepância dos salários com as de outras carreiras jurídicas e da falta de condições de trabalho. Por conta disso, mais de 100 delegados já “deixaram o barco”.
Confira:
Gazeta: Doutor, qual é a situação dos delegados no estado de Minas Gerais atualmente?
Juliano: A carreira de Delegado em Minas Gerais, no que se refere aos salários, é a mais desestimulante possível. Pra se ter uma idéia, brigamos pau a pau com São Paulo e o Espírito Santo para saber quem remunera pior a categoria. A diferença de um delegado de Minas para um do rio de janeiro, por exemplo, passa dos R$ 10 mil. Ou seja, o que um Promotor ou um Juiz paga de imposto de renda, é o salário de um delegado hoje por aqui.
Lógico que a diferença entre os vencimentos de um Promotor ou de um magistrado e o nosso é até normal, mas o que é absurdo é a discrepância histórica que existe entre os salários de um delegado com as das demais carreiras jurídicas do estado. São carreiras cruciais para o bom andamento da sociedade, todas elas, pois tem bases não só jurídicas como também entram na esfera administrativa. Portanto, são fundamentais. Porém, essa diferença está desestimulando os delegados e incentivando-os a fazer novos concursos, para outras áreas, gerando uma grande evasão.
Citando como comprovação, no último concurso foram nomeados 420 delegados, dentre os quais eu. Destes, 100 já “abandonaram o barco”. Cerca de 40 estão desempregados, apenas estudando para outros certames, e o restante está dividido em delegados em outros estados, promotores, juízes, agentes da Receita Federal, Policia Federal e até investigadores em outras unidades da federação, onde se paga bem mais que aqui ou se oferece o mesmo salário que nós recebemos, mas com responsabilidade menor que a do nosso cargo.
O que acontece é que o Estado, desvalorizando a carreira de delegado como está, acaba “queimando” dinheiro. É um concurso caro, com um ano de preparação. É muito tempo de prova, são várias fases, tem Academia com custo elevado, mas na verdade se prepara o delegado para que ele exerça outra carreira. Isso porque ele entra na função, não vê perspectiva, e prefere procurar outras áreas, bem melhor remuneradas e valorizadas. Isso é compreensível.
Gazeta: E as paralisações foram feitas com que objetivo, além de corrigir isto?
Juliano: A questão é que houve um aumento dos salários dos Defensores Públicos. Em média, passaram de pouco mais de R$ 8 mil para acima de R$ 16 mil, o que é mais que justo. Só que não há motivo para um delegado de polícia ganhar menos que um defensor. Não queremos menos, nem mais. Tem que ser paritário. São carreiras jurídicas vinculadas ao Poder Executivo. Esse é o pleito de nosso movimento. Além disso, queremos, claro, melhorias nas estruturas, para a Policia Civil como um todo, porque as demais carreiras estão totalmente desestimuladas. Não há uma política de incentivo. Estou falando de investigadores, escrivães… Se um delegado já ganha pouco, imagine um destes servidores? Quando falo em “ganhar pouco”, devo ser claro: Tratam-se de funções de grande responsabilidade, e alto risco, tanto que em cerca de um ano tivemos dois policiais civis baleados na nossa região, e um deles morreu. Portanto, são carreiras que merecem ser melhor organizadas e mais valorizadas. O pleito é esse: Melhorar para não abandonar o barco.
Gazeta: O movimento tem tido o resultado que se espera junto ao Governo? Há apoio?
Juliano: Bem, primeiro o que importa é conscientizar a população quanto à importância do papel de delegado. Felizmente, as ações tem sido bem recebidas, tanto por parte da população como das autoridades. Quanto ao governo, parece que tem surgido alguns resultados, pois ele nos tem chamado para um diálogo, e isso já é um começo. Claro que à medida que as reivindicações não sejam atendidas, a tendência é recrudescer o movimento, mas não acredito em paralisação total. O que pode ocorrer, de fato, é o delegado parar de ser um “faz-tudo”, um quebra-galho. Mesmo porque hoje as delegacias estão sendo mantidas praticamente às custas do município, e o delegado assume um ônus gigantesco. Uma ação que pode ser levada adiante é a “Operação Legalidade”.
Gazeta: E o que vem a ser isso?
Juliano: Vou citar um exemplo: As orientações da Corregedoria são de que todos os delegados acompanhem as oitivas. O escrivão deveria apenas registrar. Mas, como todos sabem, não é assim que funciona, principalmente porque a grande quantidade de casos não permite. Para atender a socieade, precisamos até infringir algumas regras. No entanto, caso seja necessário realizar novos protestos, então começaremos a ouvir e a exigir que todas as oitivas sejam feitas na nossa presença. Outro caso é o que envolve funcionários cedidos pela Prefeitura. Aqui, por exemplo, temos 10 funcionários do estado e oito nestas condições. Para agilização de alguns trabalhos, repassamos para estes servidores tarefas que não deveriam ser feitas por eles. É melhor fazer assim que deixar a sociedade ao “Deus dará”. No entanto, estas pessoas são competentes, são esforçadas, mas não são preparadas para isso. Com a Operação Legalidade, tarefas de policia ficam por conta apenas da policia, e os servidores em questão executarão outras tarefas, na área administrativa.
Gazeta: Mas e o que acontece por conta destas ações?
Juliano: O trabalho praticamente pára. Se os delegados resolverem participar de todas as oitivas, pode apostar que não saem mais que dez delas por dia. De certa forma, trava a delegacia. O governo está acostumado com delegados que “se viram por cima do pescoço”, e fazem o possível e o impossível para contornar determinadas situações. Em contrapartida, não dá o menor valor a eles. Pelo contrário, o estado tem mostrado um imenso descaso com a Policia Investigativa. Não sei porque, afinal, se a Policia Militar tem a sua função preventiva, depois que o crime acontece quem tem a obrigação de investigar e prender é a Policia Judiciária, e em muitos casos isso não acontece por falta de estrutura mínima. O prédio da delegacia de Machado mesmo é inteiro do município. O estado não dá um real sequer.
Com o movimento, os delegados buscam, sim, uma melhoria salarial, mas também melhores condições de trabalho, mais servidores, melhores salários para estes servidores, já que também há uma diferença salarial entre escrivães, investigadores e peritos que não é justificável. Então, o que queremos é apenas Justiça e Valorização, nada mais do que isso.