Num rincão de Minas Gerais, o Sul de Minas, onde os cafezais pintam a paisagem de um verde esperançoso, uma fundação soou o alarme. De Varginha, coração de uma das principais regiões cafeeiras do mundo, a Fundação ProCafé enviou o recado urgente, um grito de alerta: Já não bastasse a ação dos ladrões domésticos, que tiram do produtor o lucro obtido com o suor de seu trabalho, há também um crime que não deixa rastros evidentes, o contrabando de sementes, que pode minar a soberania do café brasileiro. Vários órgãos de imprensa ajudam na divulgação da denúncia.
A comunicação, feita pelas redes sociais, parece saída de um roteiro de espionagem industrial, só que o "documento" secreto aqui é uma pequena semente. As cultivares de café, desenvolvidas com suor, tempo e dinheiro nacionais, estão sendo enviadas ilegalmente para outros países. O que para alguns pode parecer um mero grão, para os especialistas é um patrimônio estratégico, uma vantagem conquistada a duras penas.
O engenheiro-agrônomo Lucas Bartelega, da ProCafé, é um dos investigadores deste caso. Ele revela que a rota do contrabando já foi identificada na Colômbia e na Costa Rica, nações que são justamente nossas grandes concorrentes no mercado internacional de café. “A maioria dessa semente tem saído do Brasil de forma ilegal”, afirma Bartelega em entrevista à EPTV, da rede Globo, destacando que o Ministério da Agricultura já foi acionado para tentar conter a fuga.
Mas por que tanto alvoroço com um punhado de sementes? A resposta está no tempo e no investimento. Imagine uma tecnologia que levou mais de quatro décadas para ser aperfeiçoada. São variedades que resistem a pragas terríveis, à seca implacável, verdadeiros super-heróis genéticos criados em laboratórios e campos de pesquisa brasileiros. Tudo isso financiado, em grande parte, pelos próprios cafeicultores, que acreditam no futuro da atividade.
“São recursos do produtor brasileiro investidos, que os cafeicultores de outros países agora tem acesso de forma gratuita e muito fácil”, lamenta o pesquisador. É como se o Brasil pagasse a conta de um desenvolvimento de ponta para que concorrentes usufruam da tecnologia sem qualquer esforço.
O vice-presidente do sistema Faemg-Senar, Arnaldo Bottrel Reis, não hesita em classificar a prática: “É contrabando de tecnologia”. Para ele, é inaceitável que anos de pesquisa, que conferiram ao café brasileiro resistência a nematoides, ferrugem e estiagem, sejam simplesmente enviados para fora sem controle. “O Ministério da Agricultura não tem nenhum registro de que essas sementes estão saindo. É contrabando”, reforça.
Nos cafundós das lavouras, a indignação é a mesma, mas o tom é ainda mais direto. O cafeicultor Adelino Roberto Bernardes chama as coisas pelos nomes: “É jogo sujo”. Ele aponta a cruel contradição: enquanto o produtor brasileiro arca com altos custos e segue regras rigorosas – inclusive com a proibição de certos defensivos –, o concorrente estrangeiro usufrui da variedade roubada com custos menores e, muitas vezes, com um leque de produtos químicos mais amplo. “Não é justo”, sentencia.
A crônica que se desenha nos campos de Minas é, portanto, de uma guerra silenciosa. Não há tiros, mas há uma disputa feroz pela liderança no mercado global do café. O alvo não é um território, mas a inteligência e a inovação contidas em cada semente. O temor é que, ao perder o controle sobre esse patrimônio genético, o Brasil veja minguar a competitividade do seu “ouro verde”, conquistada com tanto empenho ao longo de gerações. O caso das sementes contrabandeadas é mais do que uma notícia; é um capítulo crucial na luta pela preservação de uma das maiores riquezas nacionais.
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