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O QUE UMA MORTE TRÁGICA NA INDONÉSIA PODE ENSINAR AO TURISMO DE MINAS?

A morte da brasileira Juliana Marins, que faleceu após sofrer uma queda durante uma trilha no Monte Rinjani, na Indonésia, acende um alerta sobre o risco do turismo de aventura no Brasil. Com relevo montanhoso e abundância de cachoeiras, Minas Gerais é um dos polos da prática no Brasil. No entanto, autoridades alertam sobre o aumento da busca por essa atividade por pessoas sem preparo, e entidade ligada ao setor denuncia ausência de fiscalização sobre o cumprimento das normas de segurança.

Apesar dos riscos intrínsecos ao turismo de aventura, detalhes que precedem a queda de Juliana apontam para falhas nos protocolos de segurança. O principal deles: o fato de a brasileira estar sozinha no momento da queda, após ser deixada para trás pelo guia. Essa é uma prática inaceitável, na análise de Evandro Schütz, gerente técnico da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta).

“O distanciamento abriu uma brecha para o que ocorreu. Há uma regra: quem caminha mais lentamente vai na frente. Dessa forma, todos conseguem acompanhar o mesmo ritmo. É uma convenção mundial”, comenta. Segundo ele, no caso do turismo de aventura no Brasil, os desafios são outros em relação às trilhas para vulcões. Também há diferenças entre Brasil e Indonésia, do ponto de vista da legislação. Mas é possível traçar um paralelo em relação ao preparo e à escolha por guias capacitados.

Também chama atenção o número de guias. Juliana estava em um grupo de cinco pessoas, com apenas um orientador. Evandro Schütz destaca que essa proporção é inadequada. “Nunca deve haver apenas um guia. Sempre deve haver, ao menos, uma pessoa auxiliar”, destaca. O recomendado é que, em trilhas extremas, a proporção seja de um profissional para cada, no máximo, quatro turistas.

Na visão do tenente Henrique Barcellos, porta-voz do Corpo de Bombeiros, a tragédia envolvendo a brasileira deixa um aprendizado sobre a percepção de risco do turismo de aventura. “É uma atividade perigosa. Não é para quem não tem preparo físico ou graduação das trilhas. É importante estar sempre informado e orientado”, explica.

Conforme dados do Corpo de Bombeiros, uma média de duas pessoas se perdem em áreas de mata por dia. Em 2024, foram 770 casos. A maioria dos casos, segundo o tenente, está relacionada à “imprudência dos visitantes”, que não buscam informações, tampouco se preparam antes dos passeios. “A atividade na natureza não é controlada. Você vai estar exposto a riscos”, destacou.

‘Estamos apontando o dedo para a Indonésia e cometendo os mesmos erros’

Na visão de Evandro Schütz, apesar dos possíveis erros nos protocolos de segurança no caso de Juliana, como o distanciamento do guia e a suposta negligência na operação de busca, o momento é de autoanálise sobre o turismo de aventura no Brasil, e não de julgamentos. "Estamos apontando o dedo para o problema da Indonésia, mas cometendo os mesmos erros aqui. Todo fim de semana morre gente em cachoeira, em voo de balão que não tem regulamentação. E ninguém faz autocrítica”, destaca.

Em um intervalo de duas semanas, o Brasil registrou dois acidentes envolvendo balonismo, uma das atividades relacionadas ao turismo de aventura. Em 21 de junho, em Praia Grande, Santa Catarina, oito pessoas morreram e 13 ficaram feridas após o balão pegar fogo no ar. Poucos dias antes, em 15 de junho de 2025, um balão com 35 pessoas a bordo caiu em uma área rural de Capela do Alto, interior de São Paulo. Uma mulher, grávida de oito meses, foi socorrida em estado grave, mas não resistiu aos ferimentos. Sem falar no grande número de casos em que pessoas caem em ribanceiras ou 'grotas' em meio a matas, algo muito comum nas serras de Minas.

O Brasil possui um conjunto de normas técnicas voltadas à segurança no turismo de aventura, elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). As regras seguem padrões internacionais e orientam empresas e condutores sobre como planejar e executar atividades com o menor risco possível. Embora não tenham força de lei, essas normas são referência para operadores certificados e amplamente reconhecidas em casos de fiscalização e judicialização.

As regras orientam sobre riscos, planos de emergência e medidas preventivas. Além disso, abordam questões relacionadas ao treinamento em primeiros socorros e à necessidade de informar o turista sobre a dificuldade da atividade, o tempo estimado, as exigências físicas e os equipamentos necessários.

No entanto, segundo Schütz, grande parte das operações turísticas no país é conduzida de forma amadora, sem empresa formalizada, sem profissionais capacitados e sem seguir normas técnicas. “Provavelmente, a maioria dessas empresas não tem nem CNPJ”, criticou. Ele afirma que, embora o Brasil tenha uma legislação considerada avançada para o setor, a falta de fiscalização escancara os riscos.

“O papel de fiscalizar é do poder público, nas três esferas. Mas hoje não há fiscalização nem cultura de segurança. Quando a cultura é fraca, precisa haver fiscalização forte – e nós não temos nem uma coisa nem outra”, afirmou.

Para o especialista, o país vai avançar quando assumir as próprias falhas. “A gente esconde os erros, abafa os casos.” Schütz também chama atenção para o papel do consumidor. “É preciso olhar com mais cuidado para a própria vida. Antes de contratar um passeio, pergunte: quem são essas pessoas? Que formação têm? Existe empresa por trás disso?”, recomenda.

A reportagem de "O Tempo" questionou o Ministério do Turismo e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais sobre os procedimentos de fiscalização adotados, mas até a última edição não obteve retorno. O espaço permanece aberto para um posicionamento.

IMPRUDÊNCIA NA BUSCA DE SELFIE

Há 20 anos, Bruno Pereira, de 35, atua como guia na Serra do Cipó. O profissional comenta que, desde a pandemia de Covid-19, tem notado uma mudança no perfil das pessoas que buscam atividades de turismo de aventura. Segundo ele, muitos turistas agora querem participar das trilhas e expedições mesmo sem ter aptidão física adequada para os percursos mais longos.

"A nossa relação com os turistas que nos procuram acaba sendo de confiança. Nós fazemos questionamentos sobre se eles têm problemas de saúde, se a condição física suporta os trechos mais longos. O problema é que muitos omitem a resposta verdadeira", diz.

Pereira relembra um caso em que um turista afirmou que conseguiria completar uma trilha de 50 km, mas, no meio do caminho, acabou confessando que não tinha preparo físico para a atividade, que duraria cerca de três dias.

"Infelizmente, em alguns casos, os turistas acabam se colocando em perigo. Isso eu vejo constantemente. E não é por falta de orientação. Pessoas se arriscam pendurando-se em pedras. A mudança no perfil dos turistas é evidente. Hoje, muitos não vão pela trilha em si, mas pelos registros que vão fazer para publicar nas redes sociais. Muitos, infelizmente, deixam de admirar a beleza da natureza para ficarem preocupados apenas com fotos", comenta.

O Corpo de Bombeiros corrobora: têm aumentado as quedas em cachoeiras associadas a pessoas que se arriscam em penhascos ou pedras para conseguir uma foto. "Percebemos aumento de afogamentos e registros de que a vítima estava se expondo a risco por uma selfie", explica. Além disso, o militar cita a “imprudência” de pessoas que realizam trilhas sem antes se prepararem para os desafios.

“Os cuidados começam antes do passeio. As pessoas devem buscar informações sobre o grau de dificuldade, previsão do tempo, além de preparar o itinerário e enviá-lo para uma pessoa que não vai estar envolvida no passeio. Isso é extremamente importante do ponto de vista de emergência, porque pode ser a primeira pessoa a acionar o socorro quando sentir falta da vítima”, comentou. 

Matéria originalmente publicada no jornal "O Tempo"

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