Em seu trajeto pelo estado de Minas Gerais, a BR-381 apresenta trechos críticos em áreas urbanas em seus dois segmentos. Apesar de o percurso Norte (de Belo Horizonte a Governador Valadares, rumo ao Espírito Santo) ser conhecido como Rodovia da Morte, é a Fernão Dias (de Contagem a Extrema, rumo a São Paulo) que tem os trechos urbanizados onde ocorrem mais acidentes (81%), mais mortos (76%) e feridos (80%). Com base em dados de ocorrências da Polícia Rodoviária Federal (PRF) computados de 2020 a 2024, a equipe do Estado de Minas mapeou os principais riscos em território mineiro dessa estrada federal, parte de série de reportagens que mostra as ameaças do avanço da zona urbana sobre vias de tráfego rápido e pesado, sem estrutura para essa convivência próxima.
Na área mais densamente urbanizada no estado, que é a Grande BH, Betim e Contagem são os municípios mais afetados por sinistros na área urbana da Fernão Dias – também a via com mais acidentes e mortes em trechos urbanos entre rodovias federais de Minas Gerais de 2020 a 2024.
Em Betim, foram registrados 2.052 desastres e 71 mortos na rodovia no período analisado. Em Contagem, houve 485 acidentes e 30 mortos. Nos dois municípios, é nítido como a rotina de grandes centros toma conta dos espaços próprios de pistas de alta velocidade na área industrializada.
É comum que fileiras de ônibus e carros circulando lentamente se formem nos acessos a bairros e segmentos comerciais, um gargalo que se alastra pelas pistas à medida que motoristas têm pouco tempo de iniciar manobras de desaceleração e deslocamento, por causa do comprimento crescente das filas. Uma situação que resulta em retenções perigosas em mais faixas e se torna obstáculo ao fluxo de velocidade mais alta, principalmente diante da dificuldade de antecipação visual em curvas.
Essa situação contrasta com acessos muitas vezes bem planejados para áreas industriais e suas vias marginais de desaceleração. Mas, mesmo esses locais adaptados para o fluxo da rodovia são afetados por impactos do adensamento urbano, como motoristas de carros pequenos perdidos nessas marginais e que são vistos dando marcha a ré na contramão, para tentar acessar uma alça, ou motocicletas que usam os espaços para ganhar velocidade, ultrapassar e retornar à rodovia.
Motociclistas também se esgueiram entre os corredores de carretas manobrando e em seus pontos cegos, aumentando o perigo. E até catadores de material reciclável e usuários de drogas se misturam a esse conflito de circulação heterogênea: assumem riscos nas margens e se preciso junto ao tráfego, em sua procura por destroços metálicos e peças de veículos remanescentes de batidas.
Mistura de tráfegos e de tipos de ameaça
Mais adiante, em Igarapé, o segmento mais preocupante devido a acidentes e mortes é a área duplicada de travessia urbana do Km 507 ao Km 510, entre os bairros Resplendor, São Sebastião, Industrial, Marechal Rondon, Cidade Nova, Novo Igarapé e Planalto. Colisões traseiras e atropelamentos, que deixaram cinco mortos de 2020 a 2024, são o tipo mais crítico de sinistros. Nesse segmento da rodovia, circula um misto de carretas e caminhões do corredor São Paulo-Belo Horizonte, tráfego pendular de Igarapé para Betim, Contagem e Belo Horizonte, bem como motocicletas, ônibus e carros entre os bairros e a zona comercial ao longo da via.
A área comercial e os acessos urbanos trazem vários conflitos, especialmente nas amplas áreas de postos de abastecimento, usadas para tráfego em contramão e contornos irregulares. Até mesmo as marginais projetadas para impedir que o tráfego de acesso influa na rodovia acabam sendo usadas contrariamente à sinalização, com fluxo em contramão para encurtar acessos a destinos pela via rápida.
Ao Sul, faltam passarelas
Em Carmópolis de Minas, na Região Centro-Oeste, a Fernão Dias também duplicada registrou atropelamentos e colisões traseiras que deixaram sete mortos do Km 586 ao Km 589. O segmento margeia o perímetro urbano e tem a principal conexão pelo trevo da Avenida Doutor Francisco Paes, acesso direto ao Centro e a bairros como Santo Antônio e Acácias, sendo o ponto de maior conflito. Não há passarelas para pedestres que chegam em ônibus de lados opostos aos seus interesses, nos postos, restaurantes ou pontos de comércio que margeiam a estrada, representando grande perigo aos pedestres.
Na divisa com São Paulo, o município de Extrema, no Sul de Minas, apresenta sobretudo riscos de atropelamentos na altura do Km 940 ao Km 942, onde três pessoas morreram atropeladas ao cruzar a via fora da faixa de travessia e por entrarem repentinamente na rodovia, que não tem passarelas naquele trecho.
O gargalo da Grande BH
O segmento Norte da BR-381, que leva ao Vale do Aço e a Governador Valadares, apresenta conflitos mais diversos. Em Belo Horizonte e em municípios da Grande BH como Sabará e Santa Luzia, a rodovia, seja em pista dupla ou simples, corta bairros densamente povoados e corredores comerciais, suportando um tráfego caótico que mistura carretas pesadas com o intenso fluxo local de carros, ônibus e motocicletas. Os principais riscos nessa região são os atropelamentos e as colisões frontais e traseiras, resultantes da falta de infraestrutura segura para pedestres (passarelas), dos acessos desordenados e das ultrapassagens perigosas em trechos de pista simples, como em Sabará.
Mais para o interior do estado, em João Monlevade e Nova Era, a via se funde à malha urbana em meio a uma topografia extremamente acidentada, com rampas íngremes e curvas sinuosas que são comumente margeadas por moradias e indústrias, criando gargalos de tráfego e zonas de risco permanente. Nos dois municípios, o perigo de tombamentos e saídas de pista ocorre onde a geometria complicada, combinada com o tráfego pesado e eventuais defeitos no pavimento não perdoam a falta de reação ou a reação tardia do motorista, que muitas vezes não se dá conta de que circula em perímetro urbano.
Orientações aos usuários
A Arteris Fernão Dias, responsável pela BR-381 entre São Paulo e Belo Horizonte, destaca a necessidade de atenção redobrada e respeito aos limites de velocidade por parte dos motoristas, especialmente nos trechos urbanos com grande circulação de pessoas.
Para os pedestres, a orientação da concessionária é ter cautela e usar locais corretos para a travessia, aproveitando as 87 passarelas disponíveis ao longo da via para garantir a segurança, 32 delas entre Brumadinho e Contagem.
Com o intuito de diminuir o número de atropelamentos, a concessionária promove ações de conscientização, como a campanha “Viva Pedestre”. Com distribuição de panfletos e orientações, a iniciativa busca educar a população sobre a importância de usar as passarelas e faixas de pedestres.
Já a BR-381 em seu segmento Norte está sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e passa por processo de duplicação, com adequações especiais e travessias previstas para áreas urbanas, bem como desapropriação de imóveis em áreas sensíveis do projeto.
O Dnit informou que monitora os segmentos sob sua administração. “Quando necessário, são feitos estudos para ampliar a capacidade da rodovia e adequar o segmento, com implantação de vias marginais, retornos operacionais, viadutos e passarelas para pedestres”. Na duplicação da BR-381, de Caeté a Belo Horizonte, “a autarquia já desenvolveu os estudos para aumento de capacidade e duplicação, com o tratamento dos segmentos nas manchas urbanas que o corredor intercepta. Estes projetos estão contemplados nos lotes 8A e 8B da duplicação da BR-381 em Minas, empreendimento já em andamento”.
Quase 2.500 pontos críticos mapeados
A Pesquisa CNT de Rodovias 2024, da Confederação Nacional do Transporte, revelou que 67% dos 111.853 quilômetros da malha pavimentada avaliados no país estão em condição regular, ruim ou péssima. O pavimento é o principal problema, com 56,9% da extensão apresentando deficiências. A sinalização é igualmente deficitária em 64,1%, e 65,2% das vias têm geometria deficiente. Pontes e viadutos frequentemente carecem de acostamento (73,4%), proteção de cabeceira (34,3%) e proteção lateral (10,9%).
Nacionalmente, 2.446 pontos críticos foram identificados, muitos deles em áreas urbanas, sendo a maioria (71,5%) grandes buracos. Diante desse panorama, a CNT sugere o Brasil alinhado à “Visão Zero”, que busca reduzir pela metade as mortes e lesões no trânsito até 2030, promovendo o conceito de “rodovias que perdoam”, para minimizar os impactos de erros humanos.
A CNT propõe também a ampliação de investimentos públicos e a atração de capital privado, com a eliminação dos pontos críticos, além da reconstrução de 446 quilômetros de rodovias destruídas e a restauração e manutenção de dezenas de milhares de quilômetros de vias com problemas, visando um sistema de transporte mais seguro, eficiente e sustentável.
Aos usuários dessas estradas, a entidade recomenda, ainda, respeitar a sinalização, os limites de velocidade, manter distância segura entre veículos e evitar distrações, especialmente em áreas urbanas, onde a redução da velocidade é crucial para proteger pedestres e ciclistas.
Matéria originalmente divulgada no jornal "Estado de Minas"
Comentários
Postar um comentário
Faça o seu comentário com bom senso e equilíbrio